20 anos de Bob Dylan no Opinião: com a palavra os jornalistas Paulo Moreira e Marcelo Ferla


Dylan no Opinião Foto: Adriana Franciosi
#
Por Márcio Grings

Nessa semana, o Memorabilia publica matérias especiais sobre a segunda passagem de Bob Dylan por Porto Alegre, apresentação ocorrida em 7 de abril de 1998, e que teve como palco o Opinião Bar (José do Patrocínio, 834). Conversamos com testemunhas oculares do evento, nomes como Eduardo ‘Peninha’ Bueno, Cagê Lisboa, Marcelo Nova, Paulo Moreira, Marcelo Ferla e diversos fãs que presenciaram o show e revelam suas lembranças.

Leia review da apresentação de Bob Dylan no Opinião

***
A imprensa gaúcha valorizou a segunda passagem de Bob Dylan pela Capital gaúcha. Jornais como Correio do Povo e Zero Hora publicaram várias matérias especiais abordando a segunda vinda do aretista ao RS. Em reportagem editada semanas antes do evento, o jornalista Marcelo Ferla anuncia na capa do Segundo Caderno de ZH: "A volta do poeta do rock". Já no dia da apresentação, no mesmo veículo, e ciente de que o artista costuma ler os jornais das cidades em que visita, Ferla dá boas vindas ao músico: "Seja bem-vindo, Mr. Bob Dylan", além de dar um puxão de orelha nos fãs que esperam apenas ouvir os velhos hits: "Deixem o passado para as biografias e abram os ouvidos para o presente de Dylan". Por telefone, Ferla chama a atenção que a partir do álbum em destaque nesse tour, "Time out of Mind" (1997), Dylan retornou a sua melhor forma, fazendo desse recorte de tempo uma época em que suas apresentações enunciavam não apenas um artista disposto a dar o melhor de si. O público que esteve no Opinião, por exemplo, ainda teve a oportunidade de conferir um repertório que incluiu novas canções de peso, temas como "a bela e densa Love Sick" e "Cold Irons Bound, um petardo sônico e num volume detonador". 

Marcelo Ferla. Divulgação
Já Paulo Moreira, apresentador/produtor há 18 anos do programa Sessão Jazz da rádio Cultura FM, com passagens pelas rádios Gaúcha, Itapema e Atlântida, na época do show, repórter credenciado pelo Correio do Povo, relembra da expectativa que cercava a segunda vinda do bardo: "Depois do show no Gigantinho em 1991, quando Dylan fez uma apresentação em que mudou grande parte dos arranjos originais das músicas, a expectativa para essa nova passagem dele por Porto Alegre era muito grande. Sabemos que Dylan é um artista que não recria nota por nota aquilo que ouvimos nos discos, ele está sempre em constante movimento, uma característica que começou a ficar ainda mais evidente quando iniciou a Never Ending Tour, no final dos anos 1980. Porém, o que mais gerou expectativa em 1998, principalmente foi o fato de ver Dylan muito de perto, num lugar como o Opinião", relembra Moreira.  

"Mesmo que as pessoas falem que o concerto de 1991 foi um fracasso, não foi! Tenho a fita do show. Já ouvi mais de cem vezes. Dylan tocou em Porto Alegre uma das mais sublimes versões de I'll Remeber You, que jamais cantou. Born in Time também foi nada mesmo do que espetacular. O country I'll Be your Baby Tonite teve uma interpretação comovente. Mas as pessoas não conseguiram ouvir, ou não quiseram ouvir, ou não as conheciam, ou não as reconheceram - e queriam Blowin' in the Wind 'igualzinha à do disco'. O problema está com elas, não com Dylan", escreveu o jornalista Eduardo Bueno, o Peninha, em matéria publicada ainda em ZH. 

Veja vídeo de reportagem da extinta TV COM, únicas imagens captadas na noite do evento. Contém entrevistas com Moacyr Scliar, Vitor Ramil e Marcelo Nova. Quem assina é a repórter Luciana Kraemer. As imagens são do cinegrafista Eduardo Mendes.



No entanto, se um próprio conhecedor da obra de Dylan como Paulo Moreira sentiu alguma estranheza no show de 1991, já em 1998, ele não deixa dúvidas sobre aquilo que viu e sentiu: "Foi um dos melhores shows da minha vida. Assisti do mezanino do bar, a cerca de cinco metros do palco, ao lado do Peninha. Ficamos conversando e discutindo o repertório o tempo todo. Lembro que, ao nosso lado, estava um correspondente de um jornal do Rio, que não sacava nada de Dylan, então, o cara grudou em nós". Mesma impressão compartilhada por Marcelo Ferla: "Esse show no Opinião foinesquecível principalmente pela proximidade entre Dylan e o público", destaca o jornalista, que na época comandava a Editoria de Cultura de ZH, e mesmo profissional conhecido por assinar matérias em revistas importantes da cultura pop nacional como Bizz e Rolling Stone: "Por outro lado, também foi bacana rever o show alguns dias depois no Rio e conferir a participação de Dylan no show dos Stones em Like a Rolling Stone".
Paulo Moreira. Foto: Rafaeli Minuzzi
 
Moreira não titubeia em elencar um dos melhores momentos da noite no Opinião: "Quando ele tocou This wheel's on fire, eu e Peninha caímos em delírio total. Conheci essa música lá por 1978,  na época através de um vinil importado de um amigo, e essa é também minha faixa favorita de Basement Tapes". 

Assim como Ferla, Moreira igualmente assistiu ao show de Bob Dylan na abertura dos Rolling Stones no final de semana seguinte: "Eu tive a sorte de apenas quatro dias depois vê-lo novamente na Praça da Apoteose, no Rio. E se aqui no RS eu estava ao lado do Peninha, lá, num camarote preparado especialmente para a imprensa, tive a companhia do saudoso Ezequiel Neves, outro grande dylanólogo. Foi muito divertido, Ezequiel ficou o tempo todo dizendo um monte de bobagens e contando histórias. Uma delas, muitos talvez não saibam: nos anos 1970, quando ele não gostava de alguma coisa, escrevia sob um pseudônimo: Angela Dust.  Não sei bem por que o Ezequiel tava descontente com o Dylan, mas resolveu publicar uma entrevista fictícia, teoricamente realizada na mansão dele em Malibu. Num dos trechos, escreveu que Bob não ouvia música em casa, mas apenas discos de efeitos especiais. Viagem pura do Ezequiel Neves".

No entanto, Paulo Moreira modaliza a diferença entre uma apresentação e e outra: "Foi muito diferente o espírito dos shows. Aqui em Porto Alegre ele veio com tudo, o ambiente era outro, de pura idolatria. No Rio, o repertório foi diferente. Como era uma apresentação de abertura, talvez num clima muito intimista para um público que estava lá para ver os Stones, parece que Dylan apenas cumpriu tabela". Certamente o ambiente condicionou essa perspectiva, contudo, Moreira nos lembra que Dylan parece manter um acordo vitalício com palco. O jornalista reforça a lembrança de que o músico norte-americano gosta de tocar ao vivo e acredita que é neste ambiente que ele se sente à vontade: "A vida dele é tocar. Não consigo imaginar Bob Dylan em casa de pantufas ou vendo televisão, provavelmente programas políticos, algo que os americanos adoram. Ele vai morrer no palco".

E a última frase da última linha do texto de Marcelo Ferla em ZH, publicado como review após o show, resume parte do espírito da noite de 7 de abril de 1998: "Dylan cantou olhos nos olhos com o gaúchos. E sorriu".

Comentários