20 anos de Bob Dylan no Opinião: entrevista com Marcelo Nova


Bob Dylan no Opinião. Foto: Adriana Franciosi
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Por Cristiano Radtke

Nessa semana, o Memorabilia publica matérias especiais sobre a segunda passagem de Bob Dylan por Porto Alegre, apresentação ocorrida em 7 de abril de 1998, e que teve como palco o Opinião Bar (José do Patrocínio, 834). Conversamos com testemunhas oculares do evento, nomes como Eduardo ‘Peninha’ Bueno, Cagê Lisboa, Marcelo Nova e diversos fãs que presenciaram o show e revelam suas lembranças.

Trecho da matéria "Essa noite um show salvou minha vida", editada na edição especial da Revista Bizz "100 Maiores Shows no Brasil em Todos os Tempos", publicada em agosto de 2005. A declaração é de Marcelo Nova, que viajou de SP até Porto Alegre especialmente para o evento. Nova estava acompanhado de seu filho, Drake, na época com cinco anos        

Marcelo Nova, líder do Camisa de Vênus há mais de 35 anos, dispensa apresentações. Artista lendário no cenário do rock nacional, no momento ele está viajando pelo Brasil com a turnê “Toca Raul”, na qual toca os hits de sua banda e também os de seu velho parceiro de composições, com quem gravou o clássico disco “A Panela do Diabo”. Ele também tem divulgado “Marcelo Nova – O Galope do Tempo”, seu livro de memórias narrado em forma de entrevistas para o jornalista André Barcinski, lançado no final de 2017 pela editora Benvirá. Fã declarado de Bob Dylan, um dos artistas mais citados nas entrevistas que tem concedido ao longo de sua carreira, Marcelo era uma das 1700 pessoas na plateia da lendária apresentação do bardo norte-americano em 7 de abril de 1998 em Porto Alegre, no Bar Opinião. Neste depoimento ao Memorabilia, Marcelo fala sobre as suas lembranças desse show, cujo aniversário de 20 anos está sendo lembrado nesta série de artigos especiais.

Marcelo Nova. Divulgação

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Se fôssemos dar outro título a este artigo, poderíamos facilmente intitulá-lo “Bob Dylan Impressionou Marcelo Nova em Porto Alegre”, mas cairíamos em um lugar-comum, já que se pode afirmar sem margem de erro que todas as pessoas que viram esse show saíram igualmente impressionadas. E se para algumas dessas pessoas a oportunidade de presenciar uma apresentação de Dylan se concretizou pela primeira vez apenas nesse show do Opinião, para Marcelo essa não era uma apresentação inédita, pois já havia visto de perto shows anteriores, em circunstâncias e locais variados. Apesar disso, Nova diz que “nenhum deles foi melhor que o de Porto Alegre”. De acordo com ele, um dos principais motivos que diferenciam esse show dos outros que ele viu de Dylan foi “a proximidade que se tinha com o palco, do qual eu estava distante não mais do que um metro e meio. Você não consegue assistir um show nessas circunstâncias na maioria das cidades do Brasil ou fora daqui”. A partir dessa proximidade com o palco, “você vê a sujeira das unhas, o vinco da face, você vê o suor escorrendo pela testa, você vê quando o guitarrista quebra uma corda e aí pensa 'o que fazer neste momento?', essas são minúcias e detalhes cuja intensidade normalmente não se percebe quando se está mais distante”, diz Nova.

Veja vídeo de reportagem da extinta TV COM, únicas imagens captadas na noite do evento. Contém entrevistas com Moacyr Scliar, Vitor Ramil e Marcelo Nova. Quem assina é a repórter Luciana Kraemer. As imagens são do cinegrafista Eduardo Mendes.


Um detalhe que não passou despercebido da plateia – e que obviamente não passaria despercebido de Marcelo, músico profissional que é, além de radialista, fã, colecionador e verdadeiro conhecedor de música – foi a banda, que para ele “estava afiada e fez um show muito interessante, do qual gostei muito, tanto pela proximidade que eu tinha com o palco, quanto pela performance em si”. Em agosto de 2005, 7 anos após esse show, a revista Bizz lançou uma edição especial intitulada “Os 100 Maiores Shows do Brasil”, no qual não apenas mencionava esse show de Dylan no Opinião na lista principal, como também trazia um depoimento de Marcelo sobre os 5 principais shows que ele já havia visto. Entre eles, essa apresentação em Porto Alegre, que para ele continua sendo sem dúvida alguma um dos 5 maiores shows que já viu na vida.

Foto: Divulgação Opinião Produtora
Dylan é conhecido entre seus admiradores como sendo um artista que não dá ao seu público o que lhe é pedido, ao menos em se tratando de hits ou velhos cavalos de batalha. Cada show é uma surpresa, pois músicas que não eram tocadas há anos podem voltar ao setlist, e muitas vezes a plateia apenas as reconhece pela letra, pois os arranjos são transformados de tal forma que estas se tornam praticamente novas canções. E isso também foi visto nessa noite no Opinião, com a notória exceção dos novos temas do recém-lançado disco “Time Out of Mind”, de 1997, que era então o mais recente disco de Dylan, e que de alguma forma norteava essa parte da Never Ending Tour em 1997/1998. “Cold Irons Bound”, cuja introdução no baixo soou deliciosamente alta nessa noite e “Love Sick”, penúltima música do show, foram tocadas praticamente da forma como se ouve na gravação original. Porém, quem conhecia “The White Dove”, interpretação de Bob para um tema dos Stanley Brothers, lendas do bluegrass? ”This Wheel's On Fire” e “Stuck Inside of Mobile With the Memphis Blues Again”, tampouco podem ser qualificadas como hits de Dylan, e também foram tocadas nessa noite. Alguns fãs que estavam lá talvez pudessem ter suas preferências pessoais (lembro-me de um rapaz que estava bem ao meu lado nesse show, e que ao final me confidenciou ter sentido falta de Bob à gaita, instrumento que ele não tocou no Opinião), e para estes alguns clássicos como “Tangled Up In Blue”,"Highway 61 Revisited" ou “I Want You” talvez satisfizessem sua vontade, embora alguns possam ter saído sem ter ouvido sua “música preferida”. E Marcelo Nova? “Eu não faço esse tipo de exigência, pois os artistas entregam (no palco) o que eles consideram ser o seu melhor, mais interessante ou adequado naquele momento. Acho uma bobagem ficar torcendo para ouvir aquela música 'especial', pois você tem que ir para ouvir o que o artista tem a dizer, e não para que ele satisfaça as suas expectativas. Eu tenho as minhas preferidas, você tem as suas e cada um tem a sua, então não há como o artista agradar a todos”.

Se não há como um artista a agradar a todos, temos certeza quase que absoluta de que nenhuma das pessoas presentes a esse show saiu insatisfeita. Pelo contrário, Nova reforça esse pensamento ao afirmar de maneira risonha que “não se arrepende ao ter pegado um avião e saído de São Paulo para assistir a esse show”, e diz que gostou “da performance, da apresentação, gostei de tudo, esse foi um show realmente especial”. Para alguém como ele, grande conhecedor de música que é e que já viu inúmeros shows dos mais variados artistas, tanto no Brasil quanto no exterior, alguém que tem Dylan como um dos maiores artistas do rock'n'roll de todos os tempos, e esse show de Porto Alegre em especial como um dos melhores que ele já viu, isso não é pouca coisa.

 Ouça um trecho da conversa de Radtke com Nova.

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